quarta-feira, 3 de abril de 2013

UM “CABÔCO” QUE VOLTOU PRA CASA DO PAI (Lc. 15:11-32)



  Pense numa vontade de conhecer o mundo feito doido? Era a minha. Eu sendo o mais novo da casa, não tinha aproveitado nada dessa vida. Ficava ouvindo os “cabra”, que trabalhavam na casa do meu Pai, contarem aventuras e coisas divertidas que eu não tinha ideia.
Quando fiquei um pouquinho “de maior”, decidi uma coisa que ia mudar meu rumo. Cheguei pro meu velho e pedi minha parte da herança. Eu não quis nem saber quem pintou o céu de azul, eu queria era pintar o resto da tinta pelo “mêi” do mundo. Meu Pai era rico demais, não ia fazer falta aquele dinheiro. Eu não tinha direito? Claro que sim. Meus amigos de escola tinham dito que eu podia fazer o que eu quisesse. Só que meu Pai me surpreendeu. Ele repartiu entre eu e meu irmão mais velho tudo. Ele me deu mais do que imaginava. Não me esqueço de seu olhar triste... É como se eu não quisesse mais nada com ele, quisesse antecipar sua morte. Por um instante, bateu um remorso, por um instante só.  Logo depois, lembrei de tudo que eu ia viver. Mulheres, roupa boa, uma “belezura” de carro, festas, bebida, amigos diferentes... Tudo que sempre sonhei. Alegria total.
E lá vamos nós! Pense numa farra. Juntei uns amigos, e toda noite a gente saía. Sempre lugares diferentes, bebidas diferentes. Cada hora, uma mulher “só o filé”. Elas faziam tudo e mais um pouco. Eu ficava impressionado, quando não estava bêbado. Cheguei a provar uns cigarrinhos diferentes, na minha terra não conhecia aqueles troços. Eu tava "pagano", queria era aproveitar mesmo. Foram passando os dias. As semanas. Os meses. E o dinheiro, que eu achava que nunca ia acabar, começou a ir embora, assim como os amigos e as mulheres. Um dia, sem mal ficar em pé, dei conta que não tinha nada. Todos foram embora mesmo. Eu me iludi. E me lembrei do olhar triste do meu pai.
Pra completar o destroço. Veio uma seca desgramada pras bandas que eu tava. O negócio foi feio. Tinha uma lagoa medonha que secou de um jeito, que os gados começaram a morrer tudo ao redor. Eu nunca tinha visto aquilo. Era gente passando fome, era família sem casa pra morar, era criança sofrendo... Triste situação. Na casa do meu Pai não tinha nada daquilo. Passei dias e dias, atrás de emprego. Eu tinha instrução, mas pro que eu tinha estudo não tinha trabalho. Até que consegui um lá, na casa do Seu Raimundo. Era um homem bem ignorante, com cara fechada, mas que teve bom coração comigo. Deixou eu cuidar dos porcos. Eu ia buscar o resto da comida, alimentava sempre na hora certa e depois ficava “pastorando” pra nenhum se perder. Não era o trabalho dos sonhos, mas tinha salário. Pouco, mas tinha. Só que as coisas foram piorando, piorando, piorando. O dinheiro não dava pra nada. Até o ponto de eu olhar pra “lavage” dos porcos e ter vontade de comer com eles. Eu me lembrei do meu Pai.
Eu tinha medo do meu Pai, achava que o conhecia bem. Só que eu me dei conta que até seus empregados comiam melhor que eu. Como Patrão, Ele nunca deixava faltar nada pra eles. Pra não dar o braço a torcer mais ainda, pensei em pelo menos trabalhar pra Ele quando voltasse. Podia ser de qualquer coisa, não tinha problema. Jardineiro, contínuo, zelador, porteiro ou até lavador dos carros. Quando vinha andando, pensei em muitas formas de falar o que sentia. Do remorso, da tristeza, do arrependimento. Afinal de contas, quando pedi a herança, quis dizer que não me importava mais com ele.  Mais uma vez Ele me surpreendeu. Ainda faltavam muitos quarteirões de casa, quando O vi de longe na varanda da Casa pegando "sereno". Não consigo esquecer essa cena. Parece até que Ele tava na porta me esperando, desde o dia que saí de casa.
Quando pensei em correr ao encontro do meu pai pra me ajoelhar, mais uma surpresa. Ele que correu pra mim como uma criancinha corre para seu pai. Ele nunca se esqueceu de mim. Nunca. Aquele olhar de tristeza se desfez. Ele me abraçou como se eu nunca tivesse ido embora. Ele me beijou do mesmo jeito quando eu era pequeno. Chorando, eu disse: - “Pai, eu errei demais. Fiz tudo o contrário que o Senhor me ensinou. Não mereço mais ser seu filho”. Com a voz embargada, no entanto conseguindo ficar firme, Ele chamou um empregado que tava perto e disse: - “Chegue aqui, Zé! Traz aquela roupa nova que foi comprada na Rua. Traz aquele anel de ouro e aqueles sapatos também. Ah! Manda matar aquele boi, vamos fazer aquele churrasco. Chama todo mundo. Porque meu filho não está mais morto, ele vive aqui comigo!”
Começou uma festa que não teve hora pra acabar. Pois num é que só colocaram as músicas que eu "mais dava valor"?! Nunca me senti tão vivo. Nunca imaginei que meu Pai fosse tão importante pra mim e eu pra Ele. Também soube que meu irmão mais velho, o Toím, ficou tiririca da vida. Ficou reclamando pelos cantos, por causa dos gastos. Não conseguia entender a alegria do Pai mesmo depois de tudo que eu tinha feito de ruim. Recalque do “póbe réi”. Sei também que meu Pai mesmo sem querer dar lição de moral, disse com todo amor que ele era igual a mim. Não precisava ter ciúme nem inveja. Meu irmão, mesmo sendo mais responsável, teve vontade de fazer o mesmo que eu. Tanto que os dois receberam a herança, ele não aproveitou por que não quis. Ele era pra ficar feliz comigo, por que voltei... mas deixa pra lá. Acho que ele entendeu. O abraço da saída é o mesmo da chegada.

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